sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Alexandre Passos - Aristocracia Carioca - século XVI ao XVIII


A ARISTOCRACIA E OS COSTUMES

A aristocracia carioca, até o primeiro quartel do século XVIII, residia na rua da Misericórdia. A rua da Assembléia era habitada por uma sociedade escolhida. Naquele tempo havia o preconceito de rua.

À proporção que a sociedade se ia desenvolvendo, com a abertura de novas ruas, a edificação das casas se ia incrementando, sendo digno de nota o grande número de prédios de dois e três andares.

As zonas do Catete, Tijuca, Botafogo e Rodrigo de Freitas, foram, como já vimos, destinadas à agricultura; acontecendo o mesmo com São Cristóvão, Engenho Velho e Engenho Pequeno, sob o privilégio dos jesuítas, até a expulsão deles em 1759.

Dentre as principais famílias aristocráticas podemos nomear as de Domingos Leitão, Rodrigo de Freitas, Grugel do Amaral, Francisco Vieira, Teles de Menezes, Martim Clemente, Aires Maldonado. Na Tijuca, os descendentes de Salvador de Sá formavam o morgado dos Asseca, com um viscondado hereditário, na Paraíba do Sul.


A índole dos habitantes da capitania era, em geral, boa. Continuavam no lar as tradições religiosas dos portugueses. Era hábito deitar-se cedo, para cedo levantar-se.

Não existia vida noturna, sendo raro alguma pessoa de certa consideração, passear depois das sete horas da noite, na rua. A iluminação de azeite de peixe, nas noites em que não havia lua, não ajudava a maiores regalos.

A convivência social era relativa, visitando-se os amigos e conhecidos, aos domingos e dias santificados. Quase não havia intimidade, senão entre os parentes mais velhos.

Entretanto, isso não impedia que o vício do jogo estivesse generalizado entre todas as classes. O gamão foi sempre preferido pelos mais ricos da colônia.

Era comum o analfabetismo, especialmente entre as mulheres. Raríssimas famílias consentiam que as mestras – que sabiam ler – ensinassem, além das prendas e outros trabalhos domésticos, um pouco de leitura, de escrita ou de conta a suas filhas. Até os primeiros decênios do século XIX, ainda continuava este uso.

Em meados do século XVIII é que, segundo Rocha Pombo, se começava a instituir o ensino público.

Foram criadas cadeiras de gramática, de latim, de grego, de filosofia, retórica e desenho. Os primeiros colégios foram criados pelos jesuítas. Raros homens sabiam ler e escrever: e, quando revelavam esses conhecimentos, eram aproveitados nos melhores empregos.

As donzelas eram criadas com rigor, conhecendo algumas os futuros esposos, que se lhes impunham, na maioria das vezes, por interesse de sangue ou de fortuna, poucos dias antes ou na hora das núpcias.

Algumas donas tratavam os maridos com um misto de cerimônia e de respeito, como se fossem escravas. Explica-se de duas maneiras: - uma, era devido à diferença de idade, pois, como ninguém ignora, era comum o casamento de velhos com menores de quinze ou quatorze anos; a outra, era proveniente do excessivo ciúme do marido, que exigia da mulher, em conseqüência das ameaças que lhe fazia, exagerado respeito, provocando, assim, o terror.

As cariocas preferiam assistir às missas da madrugada, a fim de não serem muito vistas.

Segundo o testemunho do sábio francês La Caille, - que nos visitou inesperadamente, porque a expedição em que viajava, arribara na Guanabara, - nessa época, os maridos nunca iam junto às esposas: precediam-nas, "tendo a espada desembainhada debaixo do braço ou sob o capote". (Vieira Fazenda. Antiqualhas, in Revista do IHGB, t. 86, v. 140, p. 195)

As senhoras ricas, acompanhavam, na sua indumentária, o figurino francês, com ligeiras modificações. Não dispensavam um decote ligeiro, nos bailes familiares, mangas compridas e muitas anáguas ou saias de baixo.

Algumas vezes traziam à cabeça, quando saíam, um xale comprido, o qual terminava quase nos pés.

Usavam cabelos altos, presos com pentes de tartaruga, e outras vezes, toucas de filó enfeitadas.

Gostavam da seda do Oriente e de joias com brilhantes.

As senhoras pobres utilizavam-se do mesmo figurino, embora gastassem nos seus vestidos pano de qualidade inferior.


Outras deixavam aparecer a camisa arrendada ou bordada, cobrindo os braços com o xale mandado vir especialmente da África, mais conhecido pelo nome de pano da Costa. Usavam na cabeça, em forma de torso, um lenço delicadamente ajustado, muito semelhante ao turbante mouro.

Esta usança ainda é tradicional nas classes humildes da Bahia, convindo notar-se que as senhoras assim vestidas não esquecem, nos dias festivos, do colar de duas ou três voltas, cheios de dezenas de contas de ouro e de coral; e das sandálias de pelica, na maioria das vezes de cor branca e salto de seis a oito centímetros de altura, que lhes dá certa graça.

É uma tradição vinda de Portugal, que a recebera dos invasores da Península Ibérica, tendo passado pelas capitanias do Rio de Janeiro e de Pernambuco, e não originária da Bahia, como se pensa.

[1930]
(PASSOS, Alexandre. O Rio no tempo do Onça; século XVI ao XVIII)

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