sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Pai, o que é comunismo?



— Pai, o que é comunismo? Isso é bom?

Eu me lembro exatamente do dia em que, pela primeira vez na minha vida, tive uma conversa com meu pai sobre aquilo - aquela coisa da qual falava-se tanto e com tal desprezo e temor. 

Teria eu, mais ou menos, uns onze ou doze anos. Possivelmente eu já vira em filmes da 'Sessão da Tarde' algumas coisas, filmes norte-americanos onde os tais comunistas faziam sempre o papel de vilões. Ou nem tanto. O que me deixara absolutamente aterrada com o tal comunismo, foi na verdade a literatura: 'Doutor Jivago' (Boris Pasternak) [1]. 



Na época, eu vivia em constantes visitas à biblioteca pública, procurando livros principalmente de mistério, romance e aventura. Mas o livro citado eu comprei numa das maiores livrarias da cidade, muito orgulhosa por ter ido sozinha e feito minhas primeiras 'compras' de bibliófila. 

Sem nada entender nada sobre a história da Revolução Comunista, sem entender coisíssima nenhuma a respeito do que significava ler romances, cujo cenário era a Rússia da época malfadada da revolução, eu me embrenhei nas leituras. Primeiro, "Doutor Jivago", de Boris Pasternak. O título parecia inofensivo, e pela leitura da contracapa, tratava-se de uma história de amor. Narrada sob a ótica de Yuri Jivago, um médico aristocrata da Rússia pré e pós-revolução, a leitura me tomou alguns dias angustiantes. Não pude deixar de torcer mais por Tônia, a esposa de Yuri do que pela 'femme fatale' (sob minha ótica), encarnada por Lara. Entretanto, o cenário terrível da revolução, como pano de fundo, foi o que mais me assustou, chocou e deprimiu.



O romance em si é bonito, tanto é que foi levado para o cinema na década de 1960 e ganhou vários prêmios, incluindo um Oscar. O autor, Boris Pasternak, foi poeta e romancista russo, estudou na Alemanha e, como não podia deixar de ser, teve seu livro censurado na Rússia. Lógico, Pasternak revela todo um horror (como fundo e cenário) implícito no regime stalinista, ao tocar no assunto-tabu, os expurgos, os gulags, a coletivização. 


Esse foi o meu primeiro 'contato literário' com a União Soviética ou Rússia e seu maligno regime socialista. Todo aquele mundo bagunçado, confuso, ora em guerra, ora sob uma falsa paz, onde os cidadãos nunca tinham sossego... Onde não se podia viver pensando apenas na família, no trabalho e em melhorar de vida, uma vez que o governo, a polícia, as milícias, eram os que mandavam e desmandavam na vida das pessoas. Onde viver em campos de concentração acabou se tornando algo quase 'normal'... Aquilo me deixou deprimida. 

Um pequeno trecho, para se ter uma ideia da atmosfera onde imperava o comunismo em toda a sua força:

— Onde aprendeu a lavar roupa?
— A necessidade ensina. Não tivemos sorte. De todos os campos de trabalhos forçados, caímos no mais terrível. Poucos sobreviveram, começando pela chegada. Retiraram um grupo do vagão. Um deserto de neve. Ao longe, uma floresta. Havia guardas, as bocas dos fuzis abaixados, cães da raça pastor-alemão. Aproximadamente à mesma hora, em diferentes momentos, conduziram até ali novos grupos. Formaram um amplo polígono no campo inteiro, com as costas voltadas para fora para que não víssemos uns aos outros. Ordenaram que ficássemos de joelhos e, sob ameaça de fuzilamento, que não olhássemos para os lados. Então, iniciou-se o infinito e humilhante procedimento de chamada, que se estendeu durante muitas horas. E todos de joelhos. Em seguida nos levantamos, os outros grupos foram levados para os postos e a nós anunciaram: "Eis o campo de vocês. Acomodem-se como quiserem." Um campo de neve sob céu aberto, no meio um poste, e no poste uma inscrição "Gulag 92 Ia nº 90", e mais nada.
— Não, o nosso foi menos duro. Tivemos sorte. Era minha segunda condenação, que a primeira acarretava. Além do mais, meu caso dependia de outro artigo, do código com condições diferentes. Quando me liberaram, fui reintegrado como da primeira vez e permitiram que eu lecionasse na universidade. E quando a guerra começou, fui mobilizado para a frente com os plenos direitos de major e não como você, para um batalhão disciplinar.
— É, um poste com a inscrição "Gulag 92 Ia nº 90" e mais nada. Nos primeiros dias, no frio, com as mãos nuas quebramos varas para construir cabanas. E sabe, não vai acreditar, aos poucos nos acomodamos. Construímos prisões com as próprias mãos, cercamos com paliçadas, instalamos cárceres, torres de vigilância, tudo feito por nós. Começamos o corte e o armazenamento de madeira. Derrubávamos árvores. Nós as atrelávamos em oito nos trenós e carregávamos toras, afundando até o peito na neve. Por um longo tempo, não soubemos que começara a guerra. Escondiam-nos isso. E, de repente, uma proposta. Os que desejassem ir para a frente nos batalhões disciplinares, em caso de sobreviver às infinitas batalhas, receberiam a liberdade. E depois, ataques e ataques, quilômetros de cercas de arame farpado com corrente elétrica, minas, lança-minas, meses e meses de fogo cruzado. Não era de admirar que nessas companhias fôssemos chamados de condenados à morte. Quase todos foram mortos. Como sobrevivi? Como pude sobreviver? No entanto, imagine, todo aquele inferno sangrento era um paraíso comparado aos horrores do campo de concentração, não em conseqüência das condições de vida espantosas, mas por algo diferente.
— É, meu irmão, você comeu o pão que o diabo amassou.
— Não se aprendia apenas a lavar roupa, mas qualquer outra coisa.
— Que coisa impressionante. Não somente em função de seu destino nos trabalhos forçados, mas em relação a toda nossa vida anterior nos anos trinta. Até mesmo em liberdade, na próspera atividade dentro da universidade, entre os livros, com dinheiro, acomodações, a guerra representou uma tempestade de limpeza, uma corrente de ar puro, um sopro de redenção. Acho que a coletivização era falsa, uma medida que não deu certo, podia-se reconhecer o erro. Para encobrir o insucesso, tinha-se que, de todos os meios de intimidação, desacostumar as pessoas a julgar e pensar, forçá-las a ver algo inexistente e provar o contrário da evidência. Daí a crueldade inaudita de Iezhov, a promulgação de uma Constituição que não seria aplicada, a convocação de eleições que não estavam fundamentadas nos princípios eleitorais. Quando a guerra estourou, seus terrores reais, seu perigo real e a ameaça de morte real eram benefícios, comparados ao domínio desumano da invenção; a guerra trouxe um alívio porque limitava a força mágica da letra morta.
"Mesmo as pessoas que não estavam em situação semelhante à sua, em campo de concentração, todos decididamente, na retaguarda e na frente de combate, respiraram mais livremente. A plenos pulmões e em êxtase, com o sentimento de felicidade verdadeira, lançaram-se na fornalha da luta terrível, mortal e salvadora."
Então, quando perguntei ao meu pai sobre o comunismo, eu já tinha uma vaga idéia, por ter lido alguma coisa sobre isso nos livros escolares e no livro de Boris Pasternak.
A resposta do meu pai, meneando a cabeça negativamente:

— Não, não é nada bom! 
— Mas não dizem que, entre os comunistas, todo mundo é igual, não existem ricos nem pobres?
— Ah, é o que dizem... mas não é assim, não. No comunismo você não é dono de nada. Não tem liberdade para nada. A tua casa não é tua. Eles te tomam a casa e mandam em tudo, você tem que morar junto com mais cinco, seis ou dez pessoas estranhas. 

Eu ouvia aquilo abismada. No Brasil, no nosso Brasil de outrora — década de 1980 — isso me parecia totalmente bizarro e fora do real, do normal, do natural.

— Credo, pai!
— É, é bem assim... - ele disse.
— E a comida? As pessoas também dividem tudo?
— No comunismo as pessoas recebem um talãozinho. Você só vai poder comprar aquilo que estive marcado no talão.

— E é pouquinho? — Eu prosseguia, franzindo o nariz diante daquilo. Para mim, o horror dos horrores! Eu era louca por chocolate e as idas ao supermercado eram sempre uma festa para mim. Aquela coisa de "comida anotada em talão" parecia um pesadelo.

— Claro que é! Eles marcam assim: tantos quilos de feijão, de arroz, de farinha. Tantos pãezinhos por pessoa. Um tantinho de carne por família. Quem comer a mais, passa fome o resto do mês.

Eu fiquei abismada com aquilo. Nunca, eu pensei respirando profundamente... Nunca isso voltaria a acontecer no mundo! A União Soviética estava longe e o comunismo, acabado.

***

A criança que eu fui um dia, se confronta com a adulta que hoje eu sou e se encolhe de horror. 

O que meu pai explicara, sobre comida e os talões de racionamento, são  bem explicados por cubanos, fugidos do regime comunista de Fidel Castro e que agora vivem no Brasil. [3]

Há pouco mais de dois anos que estou percebendo que, no fim das contas, o pavoroso comunismo NUNCA acabou. Estava escondido, como uma espécie de vírus em incubação, e aqui mesmo, no nosso Brasil. Conforme ensina o professor Olavo de Carvalho [2], em seus diversos livros, aulas, artigos e vídeos (graças a Deus que existe o professor Olavo, ele me lembra um pouco meu pai...), os comunistas hoje se autodenominam "democratas" e o socialismo, é a "social democracia". Usam de outras estratégias, não estão necessitando de armas, por enquanto, apenas 'doutrinação', conforme foi ensinado pelo comunista italiano Antonio Gramsci


Eu ainda sinto um frio na barriga quando lembro de tudo que meu pai me explicou. De tudo o que já li sobre os grandes expurgos (na União Soviética), sobre o que o professor Olavo ensinou a respeito da Escola de Frankfurt (outro tentáculo do monstro), da estratégia gramscista. Vejo tudo retornando com o PT instalado, aparelhando todas as nossas instituições, o velho monstro usando  máscaras novas e 'progressistas'. 

Não, quem conhece o comunismo jamais desistirá da luta contra ele, venha ele com a roupagem que for — gayzismo, feminismo, racialismo, especismo, ecologismo, liberalismo sexual, etc. 

Quem ama a liberdade jamais desistirá da luta contra esse monstro.

Jossi Borges
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[1] Resenhas e informações sobre o livro 'Doutor Jivago' AQUI - GOODREADS e SKOOB


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